21 de abril de 2017

o passado

não diz quem somos, mas "faz-nos" ser quem somos,


acordo, tomo o pequeno almoço e penso no passado, 
sento-me na cama, encosto-me à parede e penso no passado,
saio de casa, caminho pela rua estreita até à paragem de autocarro e penso no passado, 
sento-me no autocarro, olho pela janela e penso no passado,
saio do autocarro, subo os malditos treze degraus do centro comercial, sento-me no primeiro banco que se avista logo à entrada (o único que apanha sol) e penso no passado, 
16h00, entro ao trabalho, vendo sapatos, dobro camisolas e penso no passado, 
entre o silêncio da loja e o barulho que se ouve de fora, penso no passado,
21h00 saio do trabalho, desco os já-não-tão-dificeis degraus e penso no passado,
entro no autocarro, sento-me, procuro a lua ou meia dúzia de estrelas para ir vigiando e penso no passado, 
desço do autocarro, caminho quinze minutos até casa e vou pensando no passado, 
abro a porta do prédio, chamo o elevador (que por incrivel que pareça está sempre no andar mais alto do prédio e demora séculos a chegar) e penso no passado,
entro em casa, janto enquanto olho para a parede e penso no passado, 
deito-me na cama, e é quando penso em pensar no passado sem me dar conta que vivi o dia no passado porque só pensei nele.  

Porque é que nos condenamos tanto por pensar no passado? também não sinto que deva pensar no futuro. afinal, o futuro não tem nada para pensar, ele ainda não existe, é perder tempo. o passado ainda que não pensemos nele, ele existe. caminha connosco, não importa onde iremos. nunca nos livramos dele. tudo bem dizerem-me para focar no presente, faz sentido, mas já o fazemos, até mesmo quando não queremos ter que lidar com ele, nós temos. 

e não importa o momento do dia, tudo parece uma confusão, e então entrego nas mãos do Único que me faz esquecer que o passado não se pode apagar, que o passado não diz quem eu sou, mas que me construiu em parte, entrego nas mãos do Único que pode mudar o meu futuro estando em cada segundo do meu presente, entrego nas mãos do Único que me dá paz suficiente para não enlouquecer com o passado, presente e futuro que mudam constantemente, porque tudo é passado, até o inicio deste texto.