Talvez nos antigos diários eu pudesse escolher uma folha azul, toda perfumada com aquele cheirinho de bebé que todos querem manter por perto. Hoje esses diários não existem mais , mas posso dizer que a vontade de ter esse cheirinho perto de mim continua.
Talvez aqui eu pudesse escrever mil e uma palavras, ou até mais, só para dizer o quanto eu sinto a tua falta. Pensei numa carta emocionante cheia de coisas bonitas. Mas nada é suficiente para poder mostrar seja a quem for o quanto eu fico mal por não puder estar contigo.
Talvez apenas eu e tu possamos entender estas cartas. As tuas ainda não pois és pequeno. Mas pequenos gestos teus fazem-me acreditar que as tuas saudades também apertam. Apertam muito. E eu queria poder parar essa dor. A tua. E a minha.
A ultima vez que decidi visitar a antiga cidade, onde tu estás a viver com o papá, foi surreal.
Eu pensei que tudo pudesse acontecer, pensei em coisas maravilhosas, aqueles reencontros dos filmes amorosos, das novelas, dos livros. Mas foi melhor ainda. Porque era o nosso momento. E era verdadeiro.
Desci do autocarro após umas longas e demoradas três horas de viagem. Não vejo ninguém conhecido.
Olho para o fundo e do nada, solta-se um arrastado grito "Mana!" e vejo um ser minúsculo a correr em minha direcção, já de braços abertos à espera de serem fechados num longo abraço. Corri na mesma direcção. E quanto senti finalmente o teu toque, sussurrei-te no ouvido "Pequeno!" . Foi melhor que qualquer filme que já tinha visto, melhor que qualquer novela que assisto junto da nossa avó, melhor que qualquer livro. Foi melhor que tudo. Foi só eu e tu. Foi a perfeição . Foi a dor da distância que estava finalmente a ser apagada dos nossos corações.
(...)
Consegues lembrar-te de quando os pais diziam para deixarmos as brigas e aproveitar-mos o tempo juntos? As conversas que nem sei qual de nós tinha menos paciência para ouvir. Hoje desconfio que eles tinham mesmo razão.
Só queria ter descoberto isso de outra forma.
(...)
Meu anjo!
Passava os dias a brincar ás escolinhas, e sonhava o dia em que entrasses para o Ensino Primário para te poder ajudar com os deveres de casa. Perdi tudo isso. Custa-me imenso saber que perdi o teu pulo para o mundo das responsabilidades. O mundo dos crescidos, onde temos que aceitar as ordens de superiores. E tu entendes muito bem isso agora. Na verdade acho que entende já bem antes disso.
Fotos destas antigamente não tinha a menor importância, todos os dias nos víamos, e tínhamos de olhar para a cara um do outro, hoje só te posso ver através delas. Irritada por não ter tirado muitas mais.
Talvez agora para leres esta carta demores um dia inteiro, já que a tua leitura soletrada não permite mais rápido. Mas espero que a possas ler. E guardá-la para ti. Queria poder escrever uma carta , contando que hoje brigámos, ou que fizeste birra para não fazer os trabalhos, ou porque não querias comer, ou porque simplesmente sim! Mas não, estou a escrever por não conseguir ter isso, ver, ouvir, não poder ouvir um "Amútiii" ou apenas receber um abraço depois da escola.